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Ela amava pipoca, eu não fazia muita questão.
Para cada balde de pipoca que ela comia, eu comia dois ou três punhados.
Um dia estávamos no aeroporto esperando uma conexão e pela escala dava tempo de ver um filme no cinema. Óbvio que compramos pipoca e ela, como sempre fazia, me obrigou com o olhar a pegar o primeiro punhado pra eu aprender a gostar de pipoca.
Dei risada e peguei, comi, dei um beijo nela e disse que amava ela.
Na viagem de volta a mesma escala e o mesmo tempo livre, fomos ver outro filme.
E mais um balde de pipoca.
Aí ela disse:
- Gosto desse cinema porque foi aqui que você disse que me amava pela primeira vez.
E eu respondi:
- Mas que mentira, é a segunda vez que entramos nesse cinema na vida e eu já disse que te amo várias vezes antes, tá maluca é?
E ela, de boca cheia:
- Com bafo de pipoca foi a primeira vez, eu amo pipoca.
Desde então eu amo pipoca.
Sobre as músicas desta mixtape:
Magic City
Danielle Lupi - Theme Song
Tinha de tudo para ser a Mad Men do mundo dos cassinos, mas foi cancelada pouco antes do início das gravações da segunda temporada.
De qualquer forma eles conseguiram encerrar o enredo e o roteiro de forma coerente então vale como uma minissérie sobre família, crimes, máfia, corrupção e política.
E casais solitários à dois.
Sexy Beast
Dean Martin - Sway
Ben Kingsley como um mafioso bizarríssimo e insistente em um filme bizarro, genial e nonsense desde a primeira cena, e divertidíssimo.
Manhattan
Papercuts - Future Primitive
Outra série genial, a melhor sobre o Projeto Manhattan durante a guerra fria e a corrida nuclear e que também teve só duas temporadas, mesmo tendo sido planejada para apenas três temporadas.
Esta música encerra a primeira (um dos melhores finais possíveis para uma temporada inclusive) e embora a segunda termine de forma abrupta e com um gancho para a sequência nunca realizada, dependendo do contexto também pode ser encarada como um final metafórico e óbvio, porque afinal de contas todos nós sabemos como foi o resultado prático do Projeto Manhattan.
Elenco incrível, personagens ótimos (incluindo personagens baseados em pessoas reais da nossa história) e também uma das melhores reconstruções de época.
Almost Famous
Stillwater - Fever Dog
Filmaço demais, roteiro, direção, elenco, trilha sonora, tudo. O tipo de filme despretensioso que qualquer amigo fã de cinema fala horas sobre as cenas e situações.
E com uma das melhores trilhas sonoras. Claro, são os anos 70.
Les Triplettes de Belleville
Benoit Charest - Filature / Tout doux Bruno
Já perdi a conta de quantas vezes já assisti essa animação.
Vai do lúdico ao suspense, da comédia à ação, do drama ao nonsense. Sem diálogos, muita música e muitos momentos de silêncio em uma história de amor, dedicação e triunfo. E muito Jazz. E tem o Bruno, um dos melhores cachorros jamais criados e representados para o cinema.
Se algum cachorro prestou consultoria diretamente para esse desenho, não duvidaria nada.
Mad Men
Bing Crosby / Bert Cooper - The Best Things in Life Are Free (Robert Morse)
Mad Men de novo, na provavelmente mais bonita cena de toda a série, o adeus do chefe de meias Bert Cooper e cantando a canção original de Bing Crosby pela voz do próprio ator Robert Morse.
Hollywood Canteen
Andrews Sisters - I'm Getting Corn for my Country
Clássico musical absoluto, quando cinema se fazia com muita goela e suor e isso se prova nessa música do trio de atrizes e cantoras Andrews Sisters.
Come Back, Charleston Blue
Donny Hathaway - Little Ghetto Boy
Outro clássico bizarríssimo, comédia bizarra de crimes bizarros e muito nonsense também, e trilha sonora toda pelas mãos e voz do Donny Hathaway e supervisão do mestre Quincy Jones.
Incluindo essa, uma das músicas mais coloridas de todos os tempos.
Beth Gibbons - Tom the Model
Não está em filme nenhum mas é a Beth Gibbons, e quando ela canta você imagina um filme inteiro na sua cabeça.
In Cold Blood
Quincy Jones - In Cold Blood Theme
A história real baseada no sensacional livro do Truman Capote sobre o assassinato da família Clutter, e trilha original espetacular do mais que espetacular Quincy Jones.
Angel Heart
Trevor Jones - I Got This Thing About Chickens
Drama, suspense, terror e muito jazz sobre a história de um investigador que foi contratado para encontrar... Se contar estraga, e se tentar explicar não conta nada. Muito Jazz de cabaré, e muita música vodu.
Robert De Niro e Mickey Rourke, ambos no auge em dois, ou melhor, quatro dos melhores papéis de suas vidas.
Mid90s
Herbie Hancock - Watermelon Man
Se minha vida virasse um filme sairia assim. Então é estranho e ao mesmo tempo ótimo saber que histórias como a minha são comuns o suficiente para virar roteiro de um filme. Afinal de contas em cima de um skate você nunca está sozinho.
A cena desta música do genial Herbie Hancock especificamente é uma das montagens mais simples, inteligentes e incríveis possivelmente feita. Quem viveu, viveu.
Once Upon A Time In America
Ennio Morricone - Once Upon A Time In America Main Theme
Perdemos o Ennio este ano, mas o legado dele é eterno e insuperável como esta trilha, e este filme.
Man with a Movie Camera
The Cinematic Orchestra - The Awakening Of A Woman (Burnout)
Um dos filmes mais importantes da história do cinema, com tantas técnicas narrativas e visuais inovadoras que o impacto dele em 1929 só pode ser comparado com o nosso sistema IMAX atual, com um diferencial: Originalmente um filme mudo, era apresentado nas salas de cinema com música ao vivo acompanhando.
E desde então teve dezenas de composições originais feitas para o filme, incluindo o álbum instrumental Man with a Movie Camera do sensacional grupo de Nu Jazz e Downtempo The Cinematic Orchestra no ano 2000.
Por problemas com direitos autorais da família do cineasta Dziga Vertov esse disco ganhou versões cantadas dos temas originais e saiu sob o nome Everyday no ano de 2002 e somente em 2003 foi lançado como originalmente pensado e sincronizado para as cenas do filme.
Jojo Rabbit
Love - Everybody's Gotta Live
Meu filme favorito de 2019 e o fato de muitas pessoas não terem sacado nem metade das ironias, referências e piadas deixa ele muito melhor. Como eu sempre digo, se Hitler tivesse nascido na era da internet não teria ido tão longe. Mais nonsense na medida certa, acidez no ponto e atuações acima da média. Esse filme ainda vai ser reconhecido como um dos mais bonitos de todos os tempos.
E esta música foi a melhor descoberta do ano passado para mim também e a cena onde ela roda é uma lição de beleza cinematográfica por si só.
Tom Jones & Portishead - Motherless Child
Também não está em filme nenhum mas veja bem, é o Tom Jones cantando uma composição original do Portishead que a Beth Gibbons jamais cantou então também vale por um filme, daqueles clássicos.
Tenet
Tenet é um filmão. E a parte mais divertida dele é justamente ver gente levar a sério a história de um filme de ação parodiando ficção científica para tentar parecer inteligente. Tenet é a desculpa perfeita para tentar impressionar quem nem quer ser impressionado. A impressão é que em algum momento um dos personagens vai olhar pra ela e perguntar "entendeu ou quer que eu desenhe?". Mas não dá para entender Tenet nem desenhando e nem de trás para frente, até mesmo porque se fizer isso fica Tenet também.
Uma mistura de Inception com o mundo invertido da série Stranger Things ou um 007 blaxploitation onde o chefe M é basicamente o Mestre dos Magos. Se a série Dark precisa de um tutorial para entender o vai e vem de alemão perdido numa Oktoberfest de LSD, no filme Tenet os personagens explicam o tempo todo a ação e no fim provam que nem mesmo eles entenderam o roteiro.
É como se aquele seu amigo defensor de Florais de Bach e que chama doença de entropia (não está errado, mas...) puxasse papo com o seu outro amigo astrólogo e virologista de redes sociais chamando vírus de castigo da natureza (olha, faz sentido, mas...). Se você tentar prestar atenção nunca tem fim, mas se você pegar a pipoca vai se divertir bastante. Bem executado como toda obra do Christopher Nolan e bem enrolado para parecer sério... como toda obra do Christopher Nolan. E ainda rola um Jiu Jitsu invertido nas cenas de ação, literalmente o sonho de qualquer um que já tenha desmaiado ou soltado um gritinho ou um peido no tatame.
Poderia se chamar Palíndromoception, Gerador de Lero-Lero ou até ARARA, porque o filme é basicamente um falatório sem sentido intercalado com sustos, igual uma arara de boteco de estrada.
Gostei principalmente da corrida de carros ao contrário porque me lembrou aquela cena da perseguição do Matrix Reload e me fez pensar se a trilogia Matrix não teria sido melhor com a tecnologia do Tenet, assim você pelo menos teria a oportunidade de escolher entre redpill, bluepill e tenetpill, inverter o tempo e nem ter perdido tempo assistindo aquilo. Não por acaso Matrix foi provavelmente o primeiro filme da geração entende-tudo/sabe-nada da história.
Um Arrival com tiroteiro, um Exterminador do Futuro com vários I´ll Be Back ou um Amnésia sem restrição de orçamento. Ou uma sobra das cenas de algum Missão Impossível. Ou um festival de vários curtas-metragens sensacionais. Aqui não tem nonsense, é falta de noção mesmo.
É o velho problema de ter dinheiro demais pra gastar e ninguém pra puxar a sua orelha. Pode contar o filme inteiro pra qualquer pessoa que ainda não assistiu e tudo ok. Ela vai te contar o mesmo filme depois e vai parecer de trás para frente na sua cabeça.
Mas na verdade eu enrolei tudo isso só para contar que sim, é fácil entender a história, mas ele fez de um jeito induzindo você a pensar que é um filme difícil e se sentir inteligente porque entendeu.
E não tem Tenet na mixtape por um simples motivo: eu resolvi inverter o tempo na última hora e desgravei a faixa antes de postar, só quis aproveitar a deixa pra falar do filme mesmo e encerrar o texto assim. Aliás a trilha toda é moderninha demais para o meu gosto, feita para agradar um público que esquecerá o filme antes mesmo do verão acabar. É uma pena, Tenet é bom justamente porque não é, e gastar milhões em um filme deveria ser um bom motivo pra tentar fazer ele mais resistente ao teste do tempo, sem precisar inverter.
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